segunda-feira, 2 de julho de 2018

Série Śāstras - Os Vedas, Uma Breve Introdução

 Por Filipe Uveda(Metal)
 
Esta série pretende, com este texto inicial sobre os Vedas, apresentar de forma
 introdutória e acessível os principais textos da literatura védica: os Vedas,
os Purāṇas, os Upaniṣads, os Āgamas e demais textos mais conhecidos no ocidente,
 como a Bhagavad Gītā e os Yoga Sūtras.
 
Os Vedas são os textos mais antigos das tradições hindus. Sua origem é do subcontinente
 indiano e eles são considerados apauruṣeyā, o que pode ser traduzido como “sem autor”,
 “impessoal” ou “não humano”. A palavra veda pode ser interpretada a partir do sânscrito
 como “conhecimento”.
 
Acredita-se que o conteúdo dos Vedas foram revelados aos rṣis, antigos sábios que,
 devido a intensos processos meditativos, alcançavam estados alterados de consciência,
 e então preservados cuidadosamente desde tempos remotos.
Representação de um rṣi, disseminador do Conhecimento Universal.
 
Eles constituem a base da cultura na Índia e inicialmente foram transmitidos oralmente
 sem que fosse perdido. Posteriormente, por volta do período dos séculos 15 à 10 antes
 de cristo ele se originou enquanto texto escrito.
 
Os Vedas são divididos em quatro principais textos: Ṛgveda, Yajurveda, Sāmaveda e
 Atharvaveda.
 
Ṛgveda
 
O Ṛgveda é o mais antigo e arcaico Veda. Ele é composto por dez livros, conhecidos como
 Maṇḍalas. Cada um desses livros varia com relação ao seu tamanho e idade. Podemos
considerá-lo como o mais importante dos Vedas. A partir dele, floresceram diversas concepções
 filosóficas e linhas de pensamento no território indiano.
 
 Exemplo de antigo manuscrito védico.
 
O significado de seu nome pode ser traduzido como “conhecimento dos versos recitados”.
 
No total, o Ṛgveda possui 1.028 hinos e 10.600 versos, que discutem principalmente
sobre cosmologia e o culto às deidades.
 
O conteúdo de cada um dos livros é arranjado de acordo com uma deidade em particular,
 Śrī Agni (o deus do fogo) primeiro, Śrī Indra (o deus da tempestade) posteriormente, por exemplo.
 
Segue abaixo um exemplo de verso do  Ṛgveda:
 
ॐ अग्निम् ईऌए पुरोहितं
यज्ञस्य देवं ऋत्वीजम् ।
होतारं रत्नधातमम् ॥
 
Transliteração para o IAST,o alfabeto internacional para a transliteração do sânscrito:
 
auṃ
agnim īḷe purohitaṃ
yajñasya devaṃ ṛtvījam |
hotāraṃ ratnadhātamam ||
 
            Possíveis traduções, segundo indicado em Martins (2011):
 
Eu louvo o fogo ardente,
que é primeiro colocado nos ritos religiosos,
que realiza a cerimônia para o benefício do
devoto, que realiza a parte
essencial do rito, que é o mais liberal doador
de pedras preciosas.
 
Ou
 
Eu homenageio o fogo divino,
consagrado primordialmente,
o realizador eficiente de uma cerimônia solene,
o principal agente de um sacrifício,
o mais liberal doador de
pedras preciosas.
 
Sāmaveda
 
O Sāmaveda é o Veda que tem seu conteúdo relacionado às melodias e os cantos.
Dessa forma, ele é um texto que não foi feito exatamente para ser lido, mas ele é algo
 como uma partitura, ele foi feito para ser “ouvido”.
 
Assim, por conta de sua natureza, grande parte de seu conteúdo é, na verdade, idêntico
 a versos Ṛgveda com exceção de 75 mantras. No total, ele é constituído por 1.549 hinos.
 
Similarmente ao Rgveda, o Sāmaveda também tem em seu início hinos dedicados à Śrī Agni
e Śrī Indra.
 
A origem do nome Sāmaveda vem de “sāman”, que pode ser interpretado como música.
 
Yajurveda
 
O Yajurveda é o Veda dos mantras em prosa. O seu conteúdo consistem em “fórmulas”
 relacionadas à ritualística e oferendas. A origem de seu nome vem de “yajur”, que pode
 ser interpretado como mantraem prosa.
 
De forma geral, o Yajurveda pode ser dividido em dois o Yajurveda preto (kṛṣṇa) e o Yajurveda
 branco (śukla). Essa divisão diz respeito à organização do conteúdo. Enquanto o śukla é “bem
organizado; claro”, o kṛṣṇa é o inverso, sendo relacionado a obscuridade.
 
Devido à natureza desde Veda, que revela formas de se realizar rituais e oferendas, ele foi
 significativo também para se entender aspectos sociais e econômicos do período védico.
 Isso se deu, por exemplo, a partir das informações sobre os tipos de materiais
 (alimentos, materiais, etc.), utilizados nos rituais
Exemplo clássico da ritualística védica.
 
Atharvaveda
 
O Atharvaveda é o Veda correspondente às “fórmulas mágicas”, interpretação que não é um
consenso. Os hinos contidos nesse Veda são de, em sua maior parte, mantras que tem por
 objetivo saúde, amor, a cura de doenças e a quebra da influência negativo de espíritos.
 Além destes “feitiços”, também se indica nos textos o uso de amuletos e plantas
 (folhas, sementes ou raízes) para estes casos.
 
No entanto, nem todo o conteúdo deste veda se resume a isto, sendo também presentes
 adorações (orações) e especulações filosóficas.
 
Considerações e sugestões
 
Os Vedas se constituem enquanto o cerne filosófico da sociedade indiana que se desenvolveu
 a partir dos séculos XV e X antes de cristo. Neles estão contidos todo o background cultural
(cosmogonia, cosmologia, “religião”, etc) e o próprio idioma sânscrito se perpetuou, dando
origem também às suas diversas derivações, a partir da entonação metódica destes textos. 
 
Dessa forma, se torna imprescindível o contato com esses textos para o caminhante espiritual que aspira trilhar sua passagem dentro do hinduísmo. Apesar disso, muitas vezes esses textos podem nos parecem inacessíveis devido às dificuldades decorrentes da tradução e interpretação de seu conteúdo.
 
Mesmo assim, o contato com essas obras continua a ser importante e pode ser facilitado através de um contato inicial com obras que possam facilitar inicialmente o entendimento a seu respeito. Por conta disso, acompanhando as referências bibliográficas que basearam este texto, deixaremos algumas sugestões para aqueles que pretendem se introduzir neste universo.
 
Minhas mais humildes e sinceras reverências.
 
Referências bibliográficas
 
BIANCHINI, Flávia. A origem da civilização indiana no vale do Indo Sarasvati: teorias sobre a
 invasão ariana e suas críticas recentes. Pp. 57-108, in: GNERRE, Maria Lúcia Abaurre;
 POSSEBON, Fabrício (orgs.). Cultura oriental: língua, filosofia e crença. VoI. 1.
João Pessoa: Editora da UFPB, 2012.
 
MARTINS, Roberto de Andrade. As dificuldades de estudo do pensamento
dos Vedas. Pp. 113-183, in: FERREIRA, Mário; GNERRE, Maria Lucia
Abaurre; POSSEBON, Fabricio (orgs.). Antologia Védica. Edição bilíngue:
sânscrito e português. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2011. (ISBN
978-85-7745-775-5)
 
MEDEIROS, Gracilene Félix; POSSEBON, Fabrício. Sânscrito: língua, tradução,
 tradição e cultura. In: PONTE, Andrea Silva [et al] (orgs). I Simpósio de
Glotopolítica e Integração Regional.
 João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2017 (ISBN: 978-85-237-1262-4).
 
Outras sugestões de leitura:
 
https://en.wikipedia.org/wiki/Vedas
 


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